Do campo à crise: o efeito cascata das mudanças climáticas no mercado de cacau.
A expressão: “As mudanças climáticas podem afetar nossos negócios” nunca foi tão verdadeira no mercado global de alimentos. Crises setorizadas na agricultura sempre foram tratadas com medidas de contenção para evitar a propagação de determinada praga ou vírus. Assim, o fechamento de barreiras comerciais para produtos com risco sempre foi real. Ou então, o problema vivido por um país era suportado pela superprodução de outro. Porém, as mudanças climáticas têm se tornado cada vez mais profundas e afetam simultaneamente vários países, criando desafios gigantescos nesse gerenciamento — especialmente em culturas sensíveis como o cacau.
O monitoramento do clima global é uma atividade complexa e colaborativa, envolvendo diversas organizações internacionais e nacionais que coletam, analisam e disseminam dados meteorológicos e climáticos. Essas instituições desempenham um papel crucial na previsão das condições atmosféricas e na mitigação de desastres naturais.
É possível identificar possíveis movimentos ligados a ondas de calor, chuvas, neve e até tempestades, furacões, tufões e outros desastres. No entanto, eles são confirmados com horas de antecedência. E as providências são focadas em salvar vidas.
Mesmo com informações antecipadas, o agronegócio nem sempre tem o que fazer. Só no Brasil, são 700 milhões de pés de cacau. Mesmo com a informação de chuvas excessivas, por exemplo, não é possível mudá-los de lugar, protegê-los do tempo. Sim, é possível prever que os custos de produção podem aumentar pós chuvas por necessidade de mais substrato, aumento do uso de defensivos para mitigar o crescimento de pragas, mas a árvore é um organismo vivo, que tem seu ciclo. São de 3 a 5 anos após o seu plantio para iniciar a produção.
Os principais países produtores de cacau do mundo são a Costa do Marfim, Gana, Indonésia, Nigéria, Equador, Camarões e Brasil. Excetuando-se Indonésia, que vive um problema de contaminação das águas devido à mineração indiscriminada, todos os países desde 2022 vêm lidando com chuvas excessivas ou crises sanitárias que prejudicaram a produção do cacau.
Em meados de 2023, o preço do cacau começou a subir e, em dezembro de 2024, ele triplicou. Em 2025, seguiu crescendo e agora dá sinais de arrefecimento. Ainda está longe do valor que custava em 2021, mas a boa notícia é que parou de subir e sinaliza queda. Nesse momento, os estoques das indústrias que processam o ingrediente foram formados a partir do valor maior.
A tabela a seguir resume a importância de cada um dos países no fornecimento dessa matéria-prima, que tem penetração no consumo global, nas mais diferentes culturas e com múltiplas formas de aplicação.

A América Latina produz 80% do cacau primium do mundo. A produção de cacau no Brasil já foi maior, na década de 1980, quando o País competia com Costa do Marfim e Gana. No entanto, a queda nos preços e a praga vassoura-de-bruxa causaram uma crise no setor.
E como o foodservice pode driblar essa crise? Repassar preços para os clientes não é uma boa resposta. Até porque, conforme já falamos em outros momentos, os consumidores vivem um cenário de restrição importante em seu poder de consumo devido à inflação.
Piorar a qualidade do produto adicionando açúcar? Também não é o caminho, especialmente porque o consumidor está buscando um produto com maior pureza e qualidade. Então, qual é o caminho?
Primeiramente, é ter esse entendimento mais profundo de macrocenário e, depois, não perder tempo com resistências. O foco é voltar-se para a produção e entender que é necessário aplicar conceitos de um laboratório: testar ingredientes como alfarroba e cupuaçu que hoje já é destacado por produzir o “cupulate”, que oferece sabor, textura e aparência próximos ao chocolate tradicional, além de outros combinações, como banana desidratada, sementes de girassol, aveia — vender esses sabores para os clientes.
A combinação de inovação, comunicação assertiva e preços acessíveis aguça a curiosidade, e a crise pode se tornar uma grande oportunidade para ajustar o CMV e encantar os clientes com novos sabores.
Por fim, essa luta não é de um lado só, indústrias altamente verticalizadas, como a Cargill, anunciam investimentos na ampliação do plantio do cacau no Brasil, inclusive subvertendo a lógica de clima-região, tão importante para essa cultura.
Fonte:
Cristina Souza é CEO da Gouvêa Foodservice.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.

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